Solicitou o Município de ..., parecer jurídico a esta Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional sobre a seguinte questão:
A enfermeira ..., cessou o exercido de funções de Vereadora em Regime de Tempo Inteiro no dia 05/09/2022. Dirigiu requerimento ao Gabinete Jurídico e de Auditória da Câmara Municipal de ..., datado de 07/09/2022, cujo conteúdo reproduzimos integralmente:
"Eu, ... , na qualidade de Vereadora da Câmara Municipal, tendo tido conhecimento do Despacho nº 119/2022, de 5 de setembro, venho solicitar que sejam efetuados os merecidos acertos ao meu vencimento e aos dias de férias que ainda disponho, uma vez que o artigo 22. do Estatuto dos Eleitos locais diz que os eleitos não podem ser prejudicados na respetiva colocação ou emprego permanente em virtude do desempenho do mandato. E ainda o artigo 25º do mesmo Estatuto diz que as remunerações e demais encargos são suportados pelo orçamento da autarquia, entendo que me são devidos os valores proporcionais dos subsídios de férias e Natal dos meses do ano em que prestei funções neste município, pois encontram-se vencidos.
Venho solicitar que seja efetuado o acerto relativo aos valores a que tenho direito e aos dias de férias que ainda tenho por gozar, pois não posso deixar de usufruir o valor proporcional dos subsídios vencidos dos meses do ano que prestei funções nesta autarquia, até porque não pode ser a minha entidade patronal a suportar essa despesa."
Foi encaminhado o mencionado requerimento para o Gabinete Jurídico de Auditoria da Câmara Municipal de ..., que emitiu parecer em 19/09/2022, cujas conclusões transcrevemos parcialmente:
"1. No seguimento do Despacho do Senhor Presidente de 13 de setembro de 2022, a presente informação visa tecer algumas considerações relativamente ao conteúdo do requerimento endereçado pela Senhora Vereadora ... , em virtude dos acertos de valores e demais direitos em virtude da cessação de funções a tempo inteiro.
2. O Estatuto dos Eleitos Locais, aprovado pela Lei nº 29/87, de 30 de junho, estatui no seu Artigo 5º, um elenco dos direitos, onde consta, desde logo, o direito a dois subsídios extraordinários anuais e a férias, conforme leitura das alíneas b) e f) do seu nº 1.
3. Perante o teor do requerimento exposto pela Senhora Vereadora... e o quadro legal compulsado na presente analise, salvo melhor opinião, poderá ser estabelecido o seguinte raciocínio:
- No ano em que cessou as suas funções a tempo inteiro, a Senhora Vereadora, afigura-se-nos que poderá usufruir do direito a receber tantos duodécimos de subsidio extraordinário de junho e de novembro quantos os meses em que efetivamente esteve no exercício dessas funções. (cft. alínea b) do nº 1 do Artigo 59 da Lei nº 29/87, de 30 de junho, em conjugação com os Artigos 7º e 16º do Decreto-Lei nº 496/80, de 20 de outubro);
- À Eleita Local que até as 16h30 do dia 05 de setembro de 2022 exercia as suas funções em regime de permanência, afigura-se-nos que lhe assistia o direito a dias de férias, que se adquirem no dia 1 de janeiro e se reportam ao ano então iniciado, devendo ser gozados no ano a que respeitam. No entanto, somos do entendimento que não se encontra enquadramento norma legal que permita a acumulação de férias não gozadas no ano anterior, uma vez que a cessação das funções autárquicas termina a possibilidade de gozo das férias por parte da referida Eleita. (cfr. alínea f) do nº 1 do Artigo 5º, em conjugação com o Artigo 14 da Lei 29/87, de 30 de junho);
4. Não obstante, face ao exposto e atendendo a importância da matéria em causa e de forma a dirimir cabalmente as duvidas suscitadas, salvo melhor opinião, afigura-se pertinente que seja solicitada a emissão de parecer por entidade externa, designadamente a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo (CCDR-A), que se digne a esclarecer quais os direitos que assistem a referida Senhora Vereadora, designadamente no que concerne ao direito a férias."
Chegada até nós a questão, pretende-se apurar que direitos (em especial que suplementos remuneratórios) assistem à ex. Vereadora ... , após cessação das suas funções.
Face ao exposto, cumpre informar:
1. Relativamente ao subsidio de férias:
A nossa abordagem deve iniciar-se pela Lei nº 29/87 de 30 de junho, que estabelece o Estatuto dos Eleitos Locais. Elenca no seu artigo 5, todos os direitos que a estes, e unicamente a estes, pertencem:
"Artigo 5º
Direitos
1 - Os eleitos locais têm direito:
a) A uma remuneração ou compensação mensal e a despesas de representação;
b) A dois subsídios extraordinários anuais;
c) A senhas de presença;
d) A ajudas de custo e subsídio de transporte;
e) À segurança social;
f) A férias;
g) A livre circulação em lugares públicos de acesso condicionado, quando em exercício das respectivas funções;
h) A passaporte especial, quando em representação da autarquia;
i) A cartão especial de identificação;
j) A viatura municipal, quando em serviço da autarquia;
l) A proteção em caso de acidente;
m) A solicitar o auxílio de quaisquer autoridades, sempre que o exijam os interesses da respectiva autarquia local;
n) À proteção conferida pela lei penal aos titulares de cargos públicos;
o) A apoio nos processos judiciais que tenham como causa o exercício das respectivas funções;
p) A uso e porte de arma de defesa;
q) Ao exercício de todos os direitos previstos na legislação sobre proteção à maternidade e à paternidade;
r) A subsídio de refeição, a abonar nos termos e quantitativos fixados para a Administração Pública.
2 - Os direitos referidos nas alíneas a), b), f), p), q) e r) do número anterior apenas são concedidos aos eleitos em regime de permanência.
3 - O direito referido na alínea e) do nº 1 apenas é concedido aos eleitos em regime de permanência ou em regime de meio tempo.
4 - O direito referido na alínea h) do nº 1 é exclusivo dos presidentes das câmaras municipais e dos seus substitutos legais." (negrito da nossa autoria).
Neste preceito, especificamente na sua alínea b), enquadram-se o subsidio de férias, assim como o de natal, sob o qual nos debruçaremos atempadamente. De realçar que estes subsídios, apenas se destinam aos eleitos locais, dado que tal se encontra estabelecido em lei especial, neste caso, o respetivo Estatuto.
Importa de seguida trazer à colação o artigo 6, que dispõe o seguinte:
"Artigo 6º
Remunerações dos eleitos locais em regime de permanência
1 - Os eleitos locais em regime de permanência têm direito a remuneração mensal, bem como a dois subsídios extraordinários, de montante igual àquela, em Junho e Novembro.
2 - O valor base das remunerações dos presidentes das câmaras municipais é fixado por referência ao vencimento base atribuído ao Presidente da República, de acordo com os índices seguintes, arredondado para a unidade de euro imediatamente superior:
a) Municípios de Lisboa e Porto - 55/prct.;
b) Municípios com 40000 ou mais eleitores - 50/prct.;
c) Municípios com mais de 10000 e menos de 40000 eleitores - 45/prct.;
d) Restantes municípios - 40/prct..
3 - As remunerações e subsídios extraordinários dos vereadores em regime de permanência correspondem a 80/prct. do montante do valor base da remuneração a que tenham direito os presidentes dos respectivos órgãos.
4 - Os eleitos locais em regime de permanência nas câmaras municipais têm direito às despesas de representação correspondentes a 30/prct. das respectivas remunerações no caso do presidente e 20/prct. para os vereadores, as quais serão pagas 12 vezes por ano."
Também será de valor mencionar o artigo 14º deste mesmo diploma, onde se estabelece o direito a 30 dias de férias destinados aos eleitos locais, seja em regime de permanência, seja em regime de meio termo:
"Artigo 14º
Férias
Os eleitos locais em regime de permanência ou de meio tempo têm direito a 30 dias de férias anuais."
O enquadramento dos mencionados subsídios já foi alvo de estudo e discussão, no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (1) (processo nº 01932/03). No qual também se deixou claro, o paralelismo de situações aqui presente: "Em face do paralelismo das situações, na vertente remuneratória, entre os eleitos locais e os funcionários das autarquias locais (àqueles é pago um subsídio extraordinário, no mês de Novembro, enquanto a estes é pago um subsídio de Natal, também em Novembro e em ambos os casos os subsídios correspondem à remuneração mensal) e ao laconismo da Lei nº 29/87, que apenas se refere a esse pagamento, enquanto que o Decreto-Lei nº 496/80 trata várias situações possíveis, designadamente a não prestação de funções no ano completo, é o regime do Decreto-Lei nº 496/80 aplicável subsidiariamente aos eleitos locais."
Merece também a nossa atenção o Decreto-Lei 496/80 de 20 de outubro, que regula de forma sistemática a atribuição de ambos os subsídios ao funcionalismo público (o subsidio de férias e o subsidio de Natal). A cada suplemento remuneratório é dedicado um capitulo (o II e o III, respetivamente). Assim, no artigo 2 do capitulo II se dispõe que:
"1 - O pessoal abrangido por este diploma tem direito a receber, em cada ano civil, um subsídio de Natal, pagável em Novembro, de montante igual ao vencimento da letra correspondente, acrescido das diuturnidades a que tenha direito no dia 1 daquele mês.
2 - O subsídio de Natal do pessoal referido na alínea c) do nº 1 do artigo 1º corresponderá ao montante da gratificação a que tenha direito igualmente em 1 de Novembro.
3 - O montante do subsídio de Natal do pessoal em tempo parcial ao abrigo do Decreto-Lei nº 167/80, de 29 de Maio, será igual à remuneração auferida pelo exercício da atividade naquelas condições, com observância do disposto no nº 1.
4 - Nos restantes casos de trabalho em tempo parcial, o subsídio será de quantitativo correspondente ao produto do número médio de horas mensais de trabalho, realizadas em cada ano civil até 31 de Outubro, pelo valor da remuneração-hora calculada com referência ao vencimento da letra.". (negrito da nossa autoria).
Por seu turno, ao analisarmos a Lei nº 35/2014, Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), encontramos o direito a férias previsto no artigo 126, ex vi dos artigos 237 a 247 do Código do Trabalho. Este direito é dos principais tempos de não trabalho assegurados pela alínea d) do nº 1 do artigo 59 da Constituição da República Portuguesa.
O direito a férias dos trabalhadores públicos, após entrada em vigor da LTFP, passou a ser regido nos termos do Código de Trabalho, com as especificidades presentes nos artigos 126 a 132 deste mesmo código.
De evidenciar de seguida o direito a remuneração, que se encontra previsto no artigo 145. A remuneração é composta pelos seguintes elementos:
a) Remuneração base;
b) Suplementos remuneratórios;
c) Prémios de desempenho.
Seguidamente, no artigo 152 deste diploma legal, encontra-se prevista a designada "remuneração do período de férias", que corresponde ao subsídio de férias:
"Artigo 152º
Remuneração do período de férias
1 - A remuneração do período de férias corresponde à remuneração que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efetivo, com exceção do subsídio de refeição.
2 - Além da remuneração mencionada no número anterior, o trabalhador tem direito a um subsídio de férias de valor igual a um mês de remuneração base mensal, que deve ser pago por inteiro no mês de junho de cada ano ou em conjunto com a remuneração mensal do mês anterior ao do gozo das férias, quando a aquisição do respetivo direito ocorrer em momento posterior.
3 - A suspensão do contrato por doença do trabalhador não prejudica o direito ao subsídio de férias, nos termos do número anterior.
4 - O aumento do período de férias previsto nos nºs 4 e 5 do artigo 126º ou a sua redução nos termos do Código do Trabalho, respetivamente, não implicam o aumento ou a redução correspondentes na remuneração ou no subsídio de férias."
Significando, tal que, a ex. Vereadora terá direito a um valor de subsidio de férias correspondente à remuneração que receberia se estivesse em serviço efetivo. Ou seja, dado que o subsidio de férias é pago no mês de junho, já poderá ter sido pago à requerente. Quando a este ponto importa esclarecer que continua aqui em vigor a regra do nº 1 do artº 11 do DL 496/80, pelo que o subsidio de férias corresponderá a uma mensalidade da remuneração base apenas quando o trabalhador tiver 22 ou mais dias úteis de férias, caso tenha menos dias de férias, o valor do subsidio corresponderá a tantos dias de remuneração base quantos dias de férias a que tenha direito. Devemos ter em conta que atualmente, são 30 dias de férias a que o trabalhador tem direito, e serão estes a que a ex. Vereadora terá direito.
Relativamente à questão do gozo de férias após cessação de funções, foi este tema (entre outros), alvo de análise por parte do Tribunal de Contas. No ponto «4.4.2. Pagamento por "férias não gozadas" a eleitos locais"» do Relatório nº 19/2012 - 2ª Secção (2), após análise da alínea f) do nº 1 do artigo 5º e do artigo 14º do Estatuto dos Eleitos Locais, enuncia-se o seguinte:
"Os eleitos locais que em 1 de janeiro se encontrem em funções, adquirem nessa data e na totalidade, o direito às férias do próprio ano, que corresponde a 30 dias;
No entanto, e dada a falta de previsão legal, pode também concluir-se que a falta de gozo de parte ou da totalidade dos dias de férias, não permite a sua acumulação." (negrito da nossa autoria).
Já no ano de 2002, foi esta questão trazida à colação na Reunião de Coordenação Jurídica, chegando-se a consenso, que posteriormente foi espelhado no Parecer nº 133/2005 elaborado por esta Comissão (3), no qual se concluiu que:
. "Os eleitos locais em regime de permanência ou de meio tempo têm direito a 30 dias de férias anuais, de acordo com o estatuído no artigo 14º, da Lei nº 29/87, de 30 de Junho, na redacção atualizada;
. As férias mencionadas neste diploma são atribuídas aos eleitos locais em virtude das funções que exercem e da dignidade do cargo;
. Havendo um regime de férias próprio e especifico dos eleitos locais não podemos aplicar a estes autarcas o regime de férias próprio dos funcionários e agentes da Administração Pública, constante do Decreto-Lei nº 100/99, de 31 de Março;
. Nestes termos, os eleitos que não gozarem a totalidade dos dias de férias, perdem-lhes o direito pois estes não acumulam com os do ano seguinte;
. Da mesma forma, não existe no Estatuto dos Eleitos Locais previsão legal que permita o pagamento das férias não gozadas, mesmo em situação de cessação definitiva das funções de eleito local, logo, não nos parece possível esse procedimento." (negrito da nossa autoria).
Relativamente a este ponto, podemos então concluir que não é possível a acumulação de férias não gozadas do ano anterior, dando-se, portanto, a caducidade deste direito com a cessação de funções do eleito local, no caso, da ex. vereadora ... .
2. No que toca ao subsidio de Natal:
É de salientar uma vez mais, o Estatuto dos Eleitos Locais, cuja alínea b) do artigo 5, prevê os dois subsídios extraordinários, o de férias e o de natal, que nos encontramos a analisar.
Merece de novo a nossa atenção o Decreto-Lei 496/80 de 20 de outubro. À luz do disposto no seu artigo 10 "Ao pessoal na efetividade de serviço será atribuído, em cada ano civil, um subsídio de férias pagável por inteiro no mês de Junho.".
Por questões de lógica de sistematização, devemos voltar a mencionar a LTFP e o seu artigo 145.
A previsão do subsidio de Natal encontra-se no artigo 151, do referido diploma.
Significando, tal que, a ex. Vereadora terá direito a um valor de subsidio de Natal proporcional ao tempo de serviço prestado no correspondente ano civil, após cessação das suas funções.
A titulo de conclusão:
a) Importa sublinhar uma vez mais, a correspondência que existe relativamente às situações dos eleitos locais e dos funcionários das autarquias locais na especifica questão da vertente dos subsídios de férias e de natal, tema que ficou assente com o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (processo nº 01932/03), já acima mencionado e disponível para consulta;
b) A ex. Vereadora ... , após cessação de funções em regime de tempo inteiro, terá, portanto, direito a receber os valores proporcionais dos subsídios de férias e de natal, correspondentes à remuneração que a vereadora receberia se estivesse em serviço efetivo e ao tempo em que prestou funções no município, respetivamente;
c) Quanto aos dias de férias por gozar, estes caducam com o respetivo término do mandato, à luz da alínea f) do nº 1 do artigo 5, em conjugação com o artigo 14, ambos da Lei 29/87 de 30 de junho, uma vez que não existe qualquer previsão legal que permita a acumulação de férias do ano anterior por parte dos eleitos locais, conclusão expressa no parecer acima identificado, assim como no Relatório do Tribunal de Contas, também supra mencionado.
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(1) Disponível para consulta: http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/33e7c8141cd2a70480256e51003b6e18?OpenDocument
(2) Disponível para consulta:
https://www.tcontas.pt/pt-pt/ProdutosTC/Relatorios/RelatoriosAuditoria/Documents/2012/rel019-2012-2s.pdf
(3) Parecer nº 133/2005, elaborado em 26-10-2005, e disponível para consulta em: https://www.ccdr-a.gov.pt/